domingo, 10 de maio de 2015

Casa - MQ



Vais largando em pranto tua miséria
... enquanto os pardais suspiraram a tarde
No melhor pano cai a histeria
consumida pelo destino cobarde
 
Ao sentir os sentidos despertar
Respiro em seco um grito mudo
Sinto-me mais leve do que o ar
Apesar de nada... A despeito de tudo
 
Mãe, cansada do Inverno
Que a tua dor não seja a minha
Sei do teu instinto materno
... oiço-te chorar sozinha
 
Brincávamos à escondidas
Jogávamos à bola na rua
Memórias já desaparecidas
Perdidas na realidade crua
 
Palavras berradas sem sentido
Portas a bater...música de fundo
Ruído no silêncio contido
Deste à luz...este poema infecundo
 
Nascidos do mesmo ventre
Separados como por magia
Juntos sempre e para sempre
Filhos do mesmo dia...

Casa by MQ

quarta-feira, 25 de março de 2015

Conto - MQ



Olhos curiosos de sabedoria
Sonhos em banho Maria
Certezas de Graça enfeitadas
Palavras enfeitiçadas

Jogámos ao era uma vez...
Adiámos todos os porquês
Encontrei-te na linha da vida
De verão tardio vestida

Trocámos segredos em palpitação
Voámos sem sequer sair do chão
Contámos as estrelas sem céu
Levantámos aos poucos o véu

Como planetas desalinhados em verso
Como se descobríssemos um novo universo
Como se já fosses tu antes de seres tu
Como um doce e perfeito deja vú

Já passamos por tantas vidas
E o Sol ainda brinca às escondidas
Ainda te desejo no meu leito
Ainda te sinto por perto....


Conto by MQ

sábado, 21 de março de 2015

O que sabemos do amor? - MQ



Lendo Carver no sofá
Perdido na rota da seda...
deixando os fantasmas entrar
....suave veludo encarnado

Se tu assim o quiseres
Visto-me de fato e gravata...
Vou contigo ao bailado
Comporto-me como um poeta

O que sabes tu do amor
Uma das dez pragas do Egipto
O que sabes tu da dor
Um dos dez mandamentos...

Se na rua por mim passares
Finge que não me conheces
Muda de passeio calçado
Desvia o olhar de criança

Se me vires dançar nu...
longe da linha do horizonte
Não venhas para cá morar
Deixa-me esmorecer no tempo

O que sabemos do amor? by MQ

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Mar Salgado - MQ


"A oeste nada de novo", para além do mar; esse mar que me inunda detido no tempo; Sem mergulhos ou salpicos; nada para além do azul acinzentado e profundo; tudo para além de mim.
Enquanto sustenho a respiração viajo pela linha do horizonte e deixo-o entrar sem bater. De rompante e em torrente. Enxurrada de sentidos. Baixo as defesas e deixo-o fazer parte de tudo o que sou; Eu! Liberto-o em mim para todo o sempre;
Mar salgado que fazes parte de mim; Somos um só, agora e na hora da nossa morte...

Mar salgado by MQ

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Vício IV - MQ


Enquanto oiço a terceira sinfonia de Brahms e olho em frente para a folha de papel recordo-me que, hoje, ainda não me lembrei dela. Apetece-me escrever, criar e recriar, mas também me apetece dormir. Deitar-me de bruços no colchão poeirento do meu minúsculo quarto e deixo-me adormecer até depois de amanhã.
Chove lá fora.
Um estranho cansaço invade-me o baixo ventre. Uma sinistra letargia. Uma vontade de deixar o tempo trepar por cima do tempo. Sem a obrigação diária de o contar. Decido, então, graciosamente, ir preparar uma bebida. Jameson com Castelo e um chá preto forte para me aguçar as reminiscências e deixar fluir a escrita. Deixo-me estar. Recosto-me. Aprecio a música e a bebida encorpada. Deixo a ocasião morrer lentamente, como um duche de água quente. Levo um cigarro à boca. Acendo-o com um fósforo que, ainda quente, bate silenciosamente no cinzeiro que o meu avô paterno me ofereceu. Relíquia roubada de um casino. Mais uma das suas loucas e boémias noites.
Agora sinto o corpo a ficar ainda mais mole e apático. O motor arrefeceu e não vou conseguir cuspir uma palavra. Levanto-me e vou até à janela. Olho a rua por raros instantes. O trânsito de final de dia vai acumulando fiéis. Dirigem-se, em fila indiana, para o dia do julgamento final.
Recordo-me dos seus maravilhosos e sofisticados sapatos de verniz. Aqueles que levava quando saíamos para dançar. Para o ballet. Uma vez. Só uma vez, fizemos amor com eles calçados. Nem tirámos a roupa.
O copo está vazio e o chá arrefeceu. Diferente. Estou estupidamente tranquilo e erradamente calmo. Preciso de outro copo a transbordar memórias. Desta vez encho o copo até cima. Ignoro a fronteira.
Agora é a quinta sinfonia de Brahms que se faz soar. Mais doce. Menos distante. Um sorriso parece querer acordar no meu rosto barbudo. Mais um resultado mágico da fusão entre prazeres e recordações.
Ainda chove lá fora.
De repente, um poema surge-me no horizonte. Uma série de palavras cruzadas e enamoradas em verso. Sem significado, mas com alma. Metafísico. Uma intensidade eléctrica percorre-me o corpo, de fio a pavio. Começo a escrever sem pensar. Deixo-me ir. Deixo fluir. Deixo-me desabafar com o papel e esqueço-me da ampulheta. Movimento frenético. O cigarro apaga-se preso entre os lábios. Tudo são cinzas. Fecho os olhos. Afago cabelo. Respiro fundo. Cuspo o cigarro. Abro os olhos. Numa fúria rasgo a folha. Rasgo-a em pequenos pedaços. Minuciosamente. Até ver o fruto da minha criação perder-se para lá do infinito. Paro e bebo o resto do copo num só trago. Numa só voz. A música parou. Fico em silêncio.
Deixou de chover lá fora.


Vício IV by MQ

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Olisippo - MQ


Deixa-me percorrer estas ruas despidas de pureza
Senti-las na planta gasta dos meus pés
Palmilhar esta estranha Babilónia
Como um estrangeiro acabado de chegar

Deixa-me viajar nu nas vielas da minha cidade
Lisboa....velha meretriz dos meus verdes anos
Jovem varina sem canastra....
Pobre bailarina amachucada
Frágil e precoce criança

Deixa-me parar e beber...
pelas ruelas de Alfama ao Bairro Alto
Assaltar o fado que sem fado me assombra
Ouvi-lo embriagado em saudade
Abraçar a madrugada...

Deixa-me mergulhar no Tejo...
afogar-me nas suas lágrimas
Nadar junto aos cacilheiros
Ouvir o roncar dos seus lamentos
Como almas gémeas...

Deixa-me adormecer na sua luz
Celebrar a sua memória...sem memória
Voltar a casa...sem-abrigo
Sabendo que em casa me sinto
Sabendo que aqui eu pertenço

Olisippo by MQ

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Pedaço de ti - MQ


Que belo pedaço de poesia escreves
quando me olhas assim
Morta de desejo…
Viajando a língua pelos lábios…
com inebriada luxuria

Que belo pedaço de poesia escreves
semicerrando as pálpebras….
Sussurrando sujeitos e predicados
Convite estonteante….
de fazer parte de ti

Que belo pedaço de poesia escreves
quando me enches de luz o quarto….
em noite escura
Tirando-me o tapete debaixo dos pés….
deixando-me ao Deus dará…

Que belo pedaço de pecado me saíste
drogas-me os sentidos
Apagas-me a consciência
Entras e sais quando te apetece…
só por brincadeira


Pedaço de ti by MQ